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PILÃO ARCADO: METADE DAS CASAS NÃO TEM SANITÁRIO

Publicado em: 22/9/2013

Pilão Arcado, a velha, foi inundada pelas águas do São Francisco na década de 70. A nova, metade dos imóveis não tem banheiro

Mesmo na aspereza da caatinga, o assunto tem que ser tratado com eufemismos. É preciso medir as palavras na hora das perguntas. “E como o senhor ‘se vira’ para ir ao banheiro, seu Arnaldo?”. A resposta resume a criatividade e sapiência do povo sertanejo, capaz de se superar nas situações mais indignas. “Moço, a gente faz por aí mesmo, no meio do tempo”.

Estamos no povoado de Pedrinha, próximo à sede de Pilão Arcado, Norte do estado. O “tempo”, para Arnaldo Borges, 38 anos, é o mato, a vegetação de juremas, juazeiros, palmas e mandacarus. Longe de ser uma exceção, Arnaldo faz o mesmo da população de metade dos domicílios do município, que, segundo dados do IBGE, não tem banheiro em casa.

Ou seja, o tempo que serve de vaso sanitário para seu Arnaldo parece não ter passado em Pilão, que em alguns povoados vive em outra era da história da humanidade. Ao todo, 49,84% dos imóveis, a maioria na zona rural, simplesmente improvisam na hora de “ir ao banheiro”, seja para tomar banho, urinar ou defecar. “Até se der vontade no meio da noite, a gente tem que ir para o meio do tempo”, repete Arnaldo. “Quantas vezes fiz debaixo de chuva?”, lembra.
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São muitas as casas que, nos fundos, têm uma armação circular de lona ou pano. É ali que gente como Irineide Ferreira de Souza, 19, toma banho. Moradora de uma casa de taipa no povoado de Passagem, a 11 km de Pilão, o ‘boxe’ é utilizado também por sua mãe, padrasto, irmão e filha. O teto é o céu. No caso da última quarta-feira, era iluminado pela lua cheia. Todos moram na casa com apenas um quarto e a cozinha.

O modelo é repetido em todas as casas sem banheiro. Da única torneira, fixada no chão mesmo, sai a água para ser usada no banho de cuia, dentro da armação improvisada. É perto de uma delas que, sob uma laranjeira, Antônio Tavares de Aguiar, 60, também montou seu local de asseio. A água vem direto do Rio São Francisco, “a duas léguas daqui”.

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Em Pilão Arcado, na Bahia, metade das casas não tem sanitário /(Foto: Emerson Rocha)

“É enchendo o baldinho e jogando a água no couro”, diz o pescador, que também mora em Pedrinha. O espaço não pode ser usado para defecar. “Banho a gente toma aqui, mas o resto só longe, na caatinga mesmo. Senão é um fedor danado dentro de casa”, explica Antônio.

Imagine, com esse cheiro, quão desagradável seria assistir à novela. Afinal, ainda que não tenham banheiros, todas as casas são devidamente equipadas com TVs e parabólicas.

Na localidade de Passagem, à margem do Rio São Francisco, o impacto ambiental é visível. É pro rio que o esgoto das casas vai direto depois de atravessar o povoado. Naquele ponto, a margem do Velho Chico é imunda. Porcos e cães circulam no local; pescadores manipulam o peixe. “Isso polui o rio, mas o peixe se come. Vai ficar sem comer?”, questiona o pescador Eduardo Carneiro Dias, 39.

Reinado
Em terra sem banheiro quem tem trono é rei. Quando a vizinhança é unida ocorre algo inimaginável para os padrões das cidades grandes. Na localidade de Pedreira, a 12 km do centro, Elias Lopes dos Santos, 46, transforma seu reinado em um tipo inusitado de solidariedade. A muito custo, conseguiu construir seu banheiro há três anos e agora o empresta para vizinhos.

Sem ele, como seria a vida da família de dona Maria Goreth Fernandes, 45, que mora defronte com seus 14 filhos? “Moço, é uma situação complicada a nossa, viu! Como vou deixar uma menina como aquela indo no mato?”, pergunta Elias, apontando para Sabrina, 17, uma das filhas de Goreth. Enquanto isso, o irmão dela, Luiz Augusto, 12, toma banho de balde no quintal da casa.

Sede
Mas não é preciso ir na zona rural para encontrar domicílios sem banheiro. Na própria sede de Pilão Arcado, em bairros periféricos, como Farofa e Alto da Codorna, dezenas de famílias sofrem com o mesmo problema. Em ambos, banheiros começaram a ser construídos há dois anos, mas não foram finalizados.

“Meu filho já caiu em um dos buracos onde as fossas iam ser construídas. Vieram aqui, cavaram e não voltaram mais”, conta Ronaldo Moraes, 19, que mora na Farofa com mulher e duas crianças.

Segundo a prefeitura, eles estão entre os 100 banheiros que começaram a ser erguidos por uma empresa que abandonou a obra. “Tivemos que fazer uma nova licitação e a nova empresa vai assumir tudo”, disse o prefeito João Ubiratan Lima (PSD), que admite o problema grave no município. Ele diz que, além da falta de saneamento histórica, Pilão Arcado é grande demais, com uma área total de mais de 12 mil quilômetros quadrados.

Segundo o IBGE, além da metade dos domicílios de Pilão Arcado não possuir banheiro, em outros 42,38% dos imóveis o esgoto é direcionado para as chamadas fossas negras, que não oferecem nenhum tratamento.

Os dados são de 2010. De lá para cá, informa o prefeito, convênios com programas federais e estaduais construíram banheiros na zona urbana e na zona rural. Quase todos, porém, são com essas fossas, inadequadas, segundo a ONU.

O correto seria o descarte através de redes ou fossas sépticas, nas quais o esgoto é isolado e neutralizado por micro-organismos. “Quando enche a fossa, a gente tem que pagar um caminhão para limpar. Sai na média de R$ 100. A gente não tem condições”, reclama Francisco Aguiar, 70, que há alguns anos construiu um sanitário nos fundos de casa, em Pedrinha.

Ou seja, em Pilão Arcado, mais cedo ou mais tarde, vai tudo mesmo pro tempo.

Sem rede e com água suja pelas ruas, cidade cheira a esgoto
Na chegada, com os vidros do carro fechado, Pilão Arcado é uma cidade de interior como outra qualquer. Mas basta abrir a porta do veículo para descobrir que a cidade cheira a esgoto. Não há uma casa sequer ligada a uma rede de esgotamento sanitário em todo o município.

Sem saneamento, as residências em pleno centro despejam no meio das ruas o esgoto gerado pela água usada no banho e na lavagem de pratos e de roupas. O esgoto dos vasos sanitários vai para as fossas nos fundos das residências. Boa parte disso acaba sendo absorvido pelo solo.

As casas de Pilão são cercadas por canais de escoamento dessa água suja. “Todos os dias, duas vezes ao dia, a gente tem que varrer para longe essa água. Senão isso aqui fica podre e ninguém aguenta”, disse Benedita Alves, 29, funcionária de um supermercado. Nem o sol a pino consegue secar as vias. Mosquitos, moscas e muriçocas estão por toda parte.

Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Sedur), a responsabilidade sobre os serviços de esgotamento é dos municípios. Mas, seja para os domicílios sem banheiro ou para as casas com fossas, a prefeitura de Pilão Arcado responsabiliza a União.

O prefeito João Ubiratan Lima diz que o problema é histórico e difícil de ser resolvido pelo município. Mas a rede de esgoto está sendo construída desde 2008 pela empresa Nabla, através da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).

Ao CORREIO, o engenheiro da Nabla disse que o investimento chega a R$ 7 milhões. “Estão sendo construídas quatro bacias subterrâneas para onde todo o esgoto da sede de Pilão Arcado será canalizado, de onde segue para uma estação de tratamento”, explicou Edirlan Cabral. As tubulações nas ruas estão prontas. O prazo para a conclusão é janeiro. Com a conclusão, todas as casas da sede serão contempladas. “O objetivo é atingir 100% da sede. A zona rural fica de fora”, observa o engenheiro da Codevasf Marcelo Silva Peixoto.

Diarreia e micoses são doenças recorrentes entre moradores
Os problemas de saneamento básico em Pilão Arcado são sentidos no hospital municipal e postos de saúde. Ou seja, a dor vai parar na barriga de adultos e, principalmente, das crianças. “Volta e meia minha menina tem febre e diarreia. Ela vive com o pé nesse chão sujo”, diz a artesã Irineide Ferreira de Souza, que mora no povoado de Passagem e é mãe da pequena Ketzi, de 1 ano.

“Tudo o que coloco no estômago boto pra fora. Infecção intestinal é comum”, reclama Silvia Jesus da Mata, 21 anos, na sala de espera do Hospital Municipal Luis Eduardo Magalhães, no centro. “Dor de barriga e febre aqui é demais, ainda mais nos tempos do calor”, diz Antônio Tavares Aguiar, morador de Pedrinha.

Na localidade de Passagem, a enfermeira do Posto de Saúde da Família (PSF) até se surpreende. Diante da imundície que toma conta das ruas, acha que a quantidade de casos de diarreia e dor de cabeça poderia ser bem maior. “Esperava até mais trabalho pra gente”, afirma Jadna Nunes de Oliveira.

Por outro lado, as micoses estão assolando. Muita gente tem problema de pele. Na Escola Major Joaquim Manoel há dois primos que foram atingidos no couro cabeludo. Eric, de 7 anos, e Cauã, de 6, até perderam parte do cabelo no cocuruto. “A mãe disse que eles brincam muito na areia. Se pesquisar bem, a maioria das crianças já teve micose”, comentou a professora.

A população reclama do atendimento ruim nas unidades de saúde e da falta de médicos. “Meus dois filhos vivem doentes e o atendimento deste hospital só com a misericórdia de Deus”, disse uma mulher que preferiu não se identificar e acabou ameaçada de não ser atendida por um funcionário da recepção. O CORREIO procurou a secretária de Saúde do município. Viviane Borges Melo chegou a atender a reportagem, mas disse que precisaria se deslocar até a prefeitura para assinar papéis e voltaria em 20 minutos, o que não aconteceu. Depois, ela não atendeu as ligações telefônicas.
Alexandre Lyrio
alexandre.lyrio@redebahia.com.br

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