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O que impede o Brasil de dividir as riquezas através de um projeto de renda básica? Entenda

Publicado em: 25/8/2020

por Mari Leal

O que impede o Brasil de dividir as riquezas através de um projeto de renda básica? Entenda

Foto: Reprodução

A pandemia do novo coronavírus lançou luz sobre uma série de questões sociais e econômicas que margeavam o debate político no Brasil. Dentre elas está o debate sobre a adoção de uma política de renda básica no país. A proporção que tomou o auxílio emergencial de R$ 600, política implementada como apoio a trabalhadores informais, desempregados e pessoas de baixa renda durante a pandemia demonstra que o tema não pode permanecer limitado ao campo teórico. 

Diferente de um programa de renda mínima, que prevê auxílio a determinado grupo ou grupos sociais, mas age de forma setorizada, a exemplo do Bolsa Família, uma proposta de renda básica tem também como objetivo combater a pobreza, mas o motivo fundamental tem como base a ideia de que a riqueza de uma nação é resultado de uma construção coletiva, portanto, deve ser dividida entre todos os cidadãos, de forma universal.

Estudioso do tema, Fabio Waltenberg, professor do curso de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que o impedimento para que o Brasil atual idealize um projeto macro de renda básica está muito mais atrelado à questões do campo político. “Do ponto de vista do orçamento, partindo do que se investe em programas como o Bolsa Família, que é extremamente baixo, o Brasil teria condições de duplicar, triplicar o investimento, mas para fazer isso algumas reformas são necessárias. Seria preciso tributar mais os milionários, lucros e dividendos, tributar as grandes fortunas, heranças”. 

“Tira dos muitos ricos. Não estou falando de classe média, mas dos muitos ricos. Tiraria um pouquinho deles e conseguiria financiar.  O Bolsa Família custa R$ 35 bilhões por ano. Você conseguiria chegar até R$ 100 bilhões, eventualmente R$ 120 bilhões, e ter um programa um pouco mais amplo, mais generoso também”, explica o especialista. 

A dificuldade, aponta Waltenberg, é o poder político que desproporcionou o que esses agentes afortunados da sociedade detêm. 

“Então, têm um Congresso favorável à eles, um governo de modo geral favorável aos seus interesses, controlam a mídia. Basta falar em reforma tributária que traga mais justiça fiscal, uma reforma progressiva, que, no mesmo momento, vem que se tributar fortuna vai criar uma fuga de investimento, vai todo mundo embora, tudo vai acabar.” 

Para exemplificar o entrave, ele toma como exemplo as discussões em torno do Renda Brasil, programa pelo qual o governo federal deve substituir o Bolsa Família após finalizar o período de aplicação do auxílio emergencial. 

“Temos então os dois problemas. O econômico nem é tão grave porque é possível equacionar, mas o político é difícil porque é mexer com interesses muito grandes. Tanto é isso, que agora na discussão da renda que vem depois do auxílio emergencial tem algumas propostas que são um pouco perigosas. A proposta de acabar com o abono salarial, acabar com o seguro-defeso, com alguns programas que já existem e aí pega esse dinheiro e joga para dentro do Renda Brasil porque vai aumentar”. 

Na verdade, diz Waltenberg, está se retirando de pobre para dar para o pobre ou de quase pobre para pobre. “O interessante é se fosse lá no 1% mais rico. Mas realmente esbarra em uma situação que muito difícil politicamente diante do poder desproporcional que essas pessoas têm. A estrutura de poder é o que torna difícil avançar nesse sentido”, sugere.

Diferente de Waltenberg, o economista e coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, acredita que as questões orçamentárias denotam o principal entrave para um avanço brasileiro numa perspectiva de criação de uma renda básica de caráter universal. 

“O entrave sempre vai ser sempre econômico. Do ponto de vista político, ninguém seria contra a existência de uma renda universal básica, embora eu particularmente acredite que o processo tem que ser focalizado, como é o Bolsa Família. A gente tem que focalizar políticas assistenciais no país”, defende Balistiero. 

Para ele, a grande questão de universalizar é a não existência de orçamento para isso. “Uma política focalizada custa pouco e é mais efetiva. O Bolsa Família custa 1% ou 2% do PIB. Se você acabar com o Bolsa Família você não resolve nenhum problema fiscal do país. É um programa de ampla repercussão social é que não custa nada diante do todo e de fato chega em quem mais precisa”, especifica.
“Toda essa discussão que está ocorrendo agora, ela é muito mais política do que econômica. É política porque temos um programa de renda mínima no Brasil há bastante tempo, que depois foi unificado com o Bolso Família. O Bolsa Família é um programa bom, reconhecido internacionalmente, que afeta 50 milhões de pessoas, ¼ da população brasileira, e permite que a pessoa deixe uma situação de extrema pobreza para uma situação que consegue ter uma condição mínima de vida.” 

DEBATE NO LEGISLATIVO

Em julho deste ano, o Congresso criou a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica. O colegiado conta com 217 membros, entre senadores, deputados federais e membros da sociedade civil, de acordo com publicação da Câmara dos Deputados. O grupo é presidido pelo deputado João Campos (PSB-PE). O requerimento para criação da frente foi assinado por 205 congressistas. 

O requerimento de criação da frente afirma que é “uma iniciativa de deputados federais e senadores que visa o estudo, desenvolvimento e aprovação de uma proposta de política pública de proteção social nos moldes de uma renda básica que possa articular universalização com equidade e garantir proteção à população afetada pela crise econômica decorrente da pandemia da COVID-19”. 

Um dos 205 congressistas a assinar o requerimento para criação da frente e membro do colegiado, o deputado federal baiano Afonso Florence (PT) destaca que o debate é muito importante e a organização da estrutura do Legislativo “muito necessária, já que tem havido um desmonte nos programas de assistência social”. 

O parlamentar aproveita para criticar o que chama de “desmonte do Bolsa Família”, já que deverá será substituído por uma nova proposta que vem sendo elaborada pela equipe econômica do governo Bolsonaro. 

“O programa do Bolsa Família já tem uma cobertura ampliada, tem flexibilidade para combater a extrema pobreza, trabalha sob as diferentes variáveis, por jovens, por crianças. Trabalha com o conceito de renda familiar por pessoa. Ele é variável de acordo com a renda”, pontua o parlamentar, ressaltando que se insere como uma proposta de renda mínima. 

Para Florence, no entanto, o campo da política é tem lugar central no impedimento de avanços ou elaboração de novas propostas. Relaciona como forma de concretizar sua fala as discussões da PEC 187, que está no Senado. “O governo que usar os fundos, o superávit das operações do Banco Central para pagar dívida pública”. 

“O assunto é político porque quando faz um renda mínima, como exemplo do Bolsa Família, a pessoa mais pobre não trabalha pela valor do salário só para cobrir as necessidades materiais. Representa mais cultura, mais acesso aos bens, ao celular, ao tablet, roda a economia. O problema é que a elite do atraso que as pessoas com uma condição de vida muito aviltadas para venderem sua força de trabalho para que tenham muito lucro. A questão não é orçamentária. Tem dinheiro nos fundos, mas eles querem pegar os mais de R$ 1,2 trilhão, que é a soma total, para pagamento da dívida. Tem dinheiro que não gasta na saúde e na educação que não gasta por conta do teto dos gastos”, analisa Florence.

 

A EXPERIÊNCIA DE MARICÁ 

A cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, foi a primeira cidade brasileira a consolidar e sustentar de forma equilibrada um programa de renda básica, denominado Programa Renda Básica de Cidadania (RBC). O projeto é operacionalizado pela Secretaria de Economia Solidária do município e garante aos que moram na cidade há pelo menos três anos uma renda mensal. 

Durante a pandemia, o valor de R$ 130 foi ampliado para R$ 300. O valor é pago em Mumbucas, moeda digital de circulação restrita a Maricá, e um em cada quatro habitantes do município é beneficiário. Atualmente, são 42,5 mil. A Mumbuca é administrada por um banco comunitário chamado Banco Mumbuca e só pode ser utilizada na cidade de Maricá, através de um cartão ou um aplicativo de celular.

Além da renda disponibilizada aos habitantes, a proposta contempla ainda um programa de microcrédito de apoio ao setor da economia solidária, além de bolsas e contas de poupança para estudantes da rede pública; apoio financeiro para estudos em instituições privadas de ensino superior;  um sistema de transporte público gratuito nos limites da cidade; uma ampla renda básica de 300 mumbucas por mês para residentes indígenas, um fundo soberano, criado em dezembro de 2017 e capitalizado por royalties de petróleo, com a intenção de garantir a perpetuidade desses programas.

A experiência de Maricá é objeto de estudo de um grupo de pesquisadores, sob coordenação do professor Fabio Waltenberg. 

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