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FUTEBOL MOSTRA QUE DECISÃO DO STF SOBRE RACISMO AINDA ‘NÃO PEGOU’

Publicado em: 23/5/2022

Dois episódios recentes em estádios de futebol do Brasil mostram que a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de equiparar a injúria racial ao racismo ainda “não pegou” nas delegacias do país.
Em um deles, no dia 26 de abril, um torcedor do Boca Juniors foi detido na Neo Química Arena sob a acusação de ofender corintianos imitando um macaco. Na manhã seguinte, ele pagou fiança e foi solto.
No outro, o jogador Rafael Ramos, do Corinthians, foi acusado de usar a palavra “macaco” para ofender Edenilson, do Internacional, em partida no sábado (14), no Beira-Rio. Detido, também foi solto após pagamento de fiança.
Os dois negam a ofensa de cunho racial e responderão a eventual processo em liberdade.
Ocorre que o STF, no julgamento encerrado em outubro passado, resolveu que um caso de injúria racial (ofender uma pessoa usando elementos referentes a raça ou cor, por exemplo), assim como os de racismo (discriminar um grupo ou coletividade por causa de raça ou cor, por exemplo), deve ser considerado inafiançável e imprescritível.
Ou seja, pelo menos na teoria, o autor do crime de injúria racial não deveria ser solto mediante fiança para responder ao processo em liberdade, e seu crime jamais deixaria de ser passível de punição (não prescreve).
Na prática, contudo, esses dois exemplos mostram que a teoria é outra. Como o julgamento no Supremo ocorreu em uma ação individual que não tem efeito vinculante -isto é, não torna obrigatório que se siga o mesmo entendimento–, há espaço para interpretações divergentes, embora a corte tenha dado um sinal claro de sua compreensão sobre o tema.
“Infelizmente, essas interpretações nada mais são do que mais uma das facetas perversas do racismo”, afirma o advogado Robson de Oliveira, ex-presidente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB/SP.
“Negar a vigência ao que decidiu a nossa mais alta corte é um modo de banalizar a conduta, minimizar seus efeitos nefastos e, de algum modo, garantir aos agentes uma sensação de impunidade diante da prática de tais crimes”, afirma.
Respeitar a decisão do STF, é bom que se diga, não significa necessariamente ter mantidos presos o torcedor do Boca e o jogador do Corinthians.
O advogado Davi Tangerino, professor de direito penal da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), lembra que, depois da Constituição de 1988, algumas reformas transformaram a prisão preventiva quase em exceção. Em seu lugar, a Justiça pode aplicar medidas como uso de tornozeleira, entrega de passaporte ou dever de se apresentar periodicamente às autoridades.
“Em 1988, quando havia pouca alternativa à prisão, ser inafiançável significava muito provavelmente continuar preso”, diz Tangerino. “Hoje, um crime ser inafiançável já não significa grande probabilidade de responder preso, porque, embora não caiba a fiança, existem todas essas outras medidas.”
Assim, nos dois exemplos do futebol, a linha mais adequada de ação teria sido enviar os suspeitos para uma audiência de custódia, onde o Ministério Público se pronunciaria e a Justiça decidiria sobre decretar prisão preventiva ou determinar alguma medida diversa da prisão.
Só o que não deveria ocorrer, à luz da decisão do STF, era soltar mediante fiança -embora não seja ilegal fazê-lo.
Ou, nas palavras de Karen Luise Vilanova Batista de Souza, juíza em Porto Alegre, sem se referir aos casos em particular: “O que não pode é a pessoa praticar um fato gravíssimo e entrar por uma porta e sair pela outra da delegacia, como se nada houvesse acontecido”.
“Me parece que, enquanto não for convertida em lei a decisão do STF, a fiança será a regra, exatamente porque existe uma dificuldade muito grande em nosso país em reconhecer o racismo e puni-lo de forma adequada”, diz Souza.
PROJETO DE LEI
Na última quarta (18), o Senado aprovou um projeto de lei que faz exatamente isso e vai além, ao criar punições específicas para crimes de injúria racial cometidos em locais com a presença de público, como estádios de futebol. A proposta ainda precisa ser aprovada pela pela Câmara dos Deputados antes de ir à sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para Souza, seria possível avançar mais, proibindo que seja celebrado acordo de não persecução penal nos crimes de racismo, assim como ocorre nos casos de violência doméstica. Nessas situações, o Ministério Público tem que apresentar denúncia.
O advogado Tiago Rocha também cita o projeto no Congresso como uma iniciativa que ajudará a coibir o racismo, até porque que a pena para os crimes de injúria racial passará a ser de 2 a 5 anos de reclusão (atualmente é de 1 a 3 anos).
De acordo com ele, tanto a decisão do STF quanto a aprovação do projeto de lei fazem sentido porque o delito de injúria racial compreende a prática do racismo prevista na Constituição.
“Sob a perspectiva histórica e social, a decisão do STF se estabelece no rol de medidas mitigadoras e paliativas numa sociedade marcada há séculos pelo tolhimento dos direitos da população negra”, afirma Rocha.
O advogado Lenio Streck discorda dessa visão. Em artigo no jornal Folha de S.Paulo, ele argumentou que não se pode, por interpretação judicial, equiparar dois crimes diferentes: “Enquanto o racismo se dá dentro de um contexto mais abrangente, a injúria racial é direcionada ao indivíduo injuriado”, escreveu.

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