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E, NO FINAL, LULA REESCREVEU A HISTÓRIA DE SUA PRÓPRIA PRISÃO

Publicado em: 07/4/2018

E, no final, Lula conseguiu o que queria. Ao invés de obedecer ao roteiro proposto pelo juiz federal Sérgio Moro e comparecer por conta própria à Polícia Federal, em Curitiba, no final da tarde desta sexta (6), o ex-presidente fez com que fossem busca-lo no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde esperava rodeado por milhares de militantes e eleitores, no começo da noite deste sábado. Escoltado pela Polícia Federal, dirigiu-se até a sede da instituição e de lá para o aeroporto de Congonhas e a capital do Paraná.

 

Ele não conseguiu controlar os desdobramentos da Lava Jato, vendo sua escolhida sofrer impeachment, seus aliados serem perseguidos e presos e as denúncias e processos se avolumarem contra ele. Também não conseguiu impedir que ele próprio se tornasse o preso mais famoso da operação e, talvez, razão principal de sua existência, devido à escancarada seletividade partidária.

 

Contudo, se era incapaz de manter sua liberdade, a principal liderança popular brasileira conseguiu reescrever a narrativa de sua própria prisão.

 

Ele queria que o registro que ficasse para a posteridade desse momento fosse o do antigo líder de massas, protegido e carregado pelo povo, no sindicato que é seu berço político e um dos símbolos da luta pela redemocratização do país. E não imagens de um Lula derrotado, caminhando em direção ao seu carrasco para a execução de sua pena. Situação em que ele não teria voz, mas seria alvo passivo das avaliações e críticas de terceiros. E veio a conseguir.

 

Lula é carregado após discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC neste sábado (7). Foto: Francisco Proner Ramos

 

Desejava ter controle da história de sua prisão não apenas para garantir sua popularidade e, portanto, influência nos processos decisórios do PT e das eleições de outubro, mas também orientar o sentido do discurso a ser adotado por seu partido e por parte dos movimentos sociais da esquerda daqui para frente.

 

Não é à toa que manteve perto de si durante esses dias de trincheira montada no sindicato tanto Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), quanto a deputada estadual Manuela D’Ávila (PC do B – RS), pré-candidatos à Presidência da República. Ele precisa deles, mas eles precisam dele,

Mas Lula desejava, acima de tudo, defender o seu legado. Ele, que é a liderança política mais importante que o país produziu na segunda metade do século 20, é cioso de como a história contará sua trajetória e os anos de seu governo. E repete isso, incansavelmente, em seus discursos.

 

Qual a memória que a maioria das pessoas terá desse dia ainda é cedo para dizer. Da mesma forma, é difícil imaginar o que a história pensará de Lula. Pois, se retirou milhões da fome, decepcionou outros tantos devido aos seus acordos com setores atrasados do país nome da governabilidade.

 

Quando estava para deixar o prédio do sindicato escoltado pela polícia, parte dos manifestantes não o deixou sair. Vi e ouvi muitos comentários de analistas indignados, afirmando que isso era forjado, ou seja, um bloqueio organizado estrategicamente para não deixar ele se entregar. O que mostra que uma parte da classe média antipetista e da imprensa não consegue entender o que uma parte do povão mais pobre pensa dele.

 

Havia quem não queria que ele fosse preso por ser ele o Lula. Mas, para outras que impediam sua passagem, Lula não é mais uma pessoa, mas uma ideia – como ele mesmo disse em seu último discurso, após a missa em homenagem aniversário de sua falecida esposa Marisa Letícia. E quem quer deixar uma ideia ser presa assim tão fácil.

 

Antes que o governo do Estado de São Paulo mandasse a Tropa de Choque para o sindicato a fim de ajudar a cumprir a ordem de prisão, Lula saiu a pé do prédio e entrou no carro que o levaria embora.

 

Conseguiu o que queria. Para parte da sociedade, ele se entregou à polícia e cumprirá pena em Curitiba, sendo o primeiro ex-presidente preso por crime comum. Para outros, contudo, passa como um preso político, retirado dos  braços de um povo que não queria deixar que partisse, mantendo-se como inspiração para a militância em todo o país.

 

Fina ironia. A Operação Lava Jato, tão boa de marketing, criou as condições para aprofundar a mitificação de Lula na ânsia por garantir aquilo que já era certo.

Em tempo: Cansei de denunciar a violência contra jornalistas que cobrem atos e manifestações, da direita à esquerda. De ovos em quem fotografava o protesto contra a prisão do ex-presidente até tiros no ônibus da caravana de Lula que levava os jornalistas, seguimos um caminho perigoso. Se nossa categoria se visse como trabalhadora, já teria cruzado os braços diante da percepção de que veremos (mais) colegas sendo mortos até as eleições em outubro. Feliz 7 de abril, Dia do Jornalista.

 

Sobre o autor Leonardo Sakamoto

Sakamoto

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo a PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

 

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