A JUSTIÇA DA “JUSTIÇA” – POR DR VITOR BIZERRA
Publicado em: 10/6/2017Já se vão alguns anos desde quando recebi em audiência dois sertanejos com aquela aparência atemporal característica de quem pode ter seus 40, 50 ou 60 anos. Vozes firmes e mãos calejadas. Olhos pequenos e enrugados. Olhares diretos sem perder o tom da humildade.
Litigavam por uns palmos de terra e meia dúzia de cabras. De pronto vi que não era pelo valor dos bens, mas pelo fio do bigode, pelo Direito e pela Justiça. Na palavra de um deles: “pelo que é o certo.”
Nos primeiros minutos de audiência restou claro que não havia embate além dos valores morais e da certeza de cada um do acerto de sua posição. Perguntados pela possibilidade de acordo ambos foram uníssonos: “Não é o acordo ou os bens que valem aqui Dotô, mas o que é o certo.”
Não queriam o chão ou os semoventes sob litígio, queriam que a “Justiça” dissesse quem estava com a razão.
Foi na distância de uma comarca seca, empoeirada e pobre que vi dois homens ensinarem qual o ideal da “Justiça” e o que a sociedade espera dela. Queriam apenas que o Juiz dissesse quem tinha o Direito. E assim foi feito. Um dos senhores estava enganado e, sendo o caso julgado em audiência, foi na audiência mesmo que o perdedor disse: “Ainda hoje mudo a cerca para o lugar certo e deixo as cabras que são de direito do meu vizinho.” Arrematou agradecendo a todos por dizer o “Direito e o certo”.
Hoje, ao assistir uma enormidade de julgamentos de Tribunais Superiores por Magistrados constitucionalmente investidos na função – mas muitos lamentavelmente sem terem passado pela porta de ouro do concurso e da prova diária do exercício da judicatura olho-no-olho da população –, me pergunto:
A “Justiça” no Brasil está dizendo o Direito?
Nos dias de hoje, a fé na “Justiça” do senhor vencido ainda seria a mesma?
Dr Vitor Bizerra-Juiz de Direito na Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
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